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A mostrar mensagens de 2004

Escrever

Escolher um novo tipo de letra. Uma nova fisionomia no papel, para que estas novas ideias se distingam das antigas. Uma nova imagem que tenta ocultar a que fica. Torno a escrever. Perco tudo, menos as palavras. Afastei-me delas mas o reencontro deu-se. Como sempre se deu. Se não possuísse mais nada tenho a certeza que elas ficariam do meu lado. Se tudo e todos me abandonassem, sei que os meus dedos, a minha mente desperta e intacta me seriam fiéis. As letras em conjuntos lógicos, os cães de guarda da minha alma, sempre atentos, sempre acordados. À medida que o tempo passa o papel torna-se branco, cada vez mais alvo. As imperfeições desaparecem progressivamente. A minha escrita é translúcida. Tal como a minha alma ganha mais cores, assim a matiz do que digo adquire tons transparentes. Até que, um dia, inscreverei a minha voz num vidro, à chuva. Escrevo porque ainda acredito que o mundo não é um lugar vulgar. Há sempre alguém disposto a mostrar-me algo novo, disposto a surpreender-me. H...

Lisboa efervescente

Lisboa efervescente, Lisboa fervilhante, Lisboa quente de corpos e do Sol. Este calor de Maio, estes fins de tarde que transformam a cidade num mundo de penumbra e luz, estas noites, onde vagueio, o cheiro do rio. Tudo convida ao amor, tudo pede sexo. As ruas abrem-se para os amantes, escondem-nos e protegem-nos dos olhares furtivos. E eu, fria nesta vaga amena do Estio, olho e sofro. O teu corpo ao meu lado, a tua pele, os lábios que eu queria, tudo o que nunca foi meu. Sei que o Sol te vai tisnar, sei que te tornarás ainda mais belo. E o Verão vai tornar-te apetecível e maduro, como um fruto, sumarento e delicioso. E eu só quero estar longe da tua carne, quero fugir. Quero fugir da Lisboa que me prende e me dilacera. A Lisboa onde tu a tens, onde me tiveste. Nos Invernos da minha vida fui amada, intensamente, entre cobertores e entre quatro paredes. O meu corpo não é coisa que se mostre, é para ser tida no silêncio da vergonha. Corpo de Madalena, ajoelhada aos pés do homem. Dos homen...

De volta

Estou de volta. De volta à minha escrita egocêntrica, que não diz absolutamente nada. Esperando desesperadamente que alguém leia. Ou esperando que ninguém leia.

Esta noite

“Esta noite vou ser pássaro / vou voar todo o teu corpo / minhas asas são de aço / tua pele de ferro e fogo / por isso... vem...” Pedro Abrunhosa “Noite na Noite” Procurei-te no sítio do costume. Estavas igual, igual em todos estes nossos encontros. Mal entrei naquele buraco empestado de fumo, suor e vozes abafadas pelo matraquear mecânico dos sons da moda, senti o teu cheiro animal. Essa tua essência que te distingue, esse teu perfume de fêmea, sempre no cio. Cumprimento-te com um beijo tímido na face. Ris-te e olhas-me de forma irónica. Agarras o meu rosto nas tuas mãos e mordes os meus lábios. Solto-me de ti e olho em redor, embaraçado. Reparas no meu desconforto e voltas a sentar-te no tamborete, voltando todo o teu corpo para o vazio das luzes intermitentes. - Parece que já não gostas... – dizes num tom infantil, que contrasta tanto com a tua pose de mulher fatal, o que me faz sorrir. Sento-me com dificuldade no pequeno banco ao teu lado. Enlaço a tua cintura fina e puxo-te para ...

Niklos Feher

Morreu Niklos Fehér. Como voltar à realidade quando a televisão nos oferece a morte em directo? Fehér prostrado no verde do estádio. O “Público” mostra uma foto do jogador, caído sobre o relvado, olhos entreabertos, vazios. A imagem é de uma beleza assustadora. Um homem cheio de vida que cai, um corpo no seu auge. O atleta entrega-se à sua arte, morre por ela. Nos instantes que sucederam o colapso, o corpo de Fehér agita-se quase imperceptivelmente. A sua alma abandona-o. Em Guimarães, a chuva fustiga os céus, a água confunde-se com as lágrimas daqueles que presenciam a queda de um anjo. Os homens também choram, o jogo de homens termina com um grito surdo de dor, de choque, de pânico. Num segundo plano, a massa anónima manifesta-se. Alguns em silêncio, outros gritando o nome do húngaro... “Fehér!Fehér!”. A massa tem esperança, o povo acredita na ressurreição, acredita que um fôlego de vida entrará pelas narinas de Fehér, devolvendo-o ao estádio, ao futebol, a este país onde um estrange...

IV

“Com pedaços de mim eu monto um ser atónito” Manoel de Barros Quatro anos volvidos, fecha-se um ciclo. Termina uma experiência no exacto ponto de onde partiu. Volto a sentir o amor utópico por um homem-ideal. Não um homem idealizado, perfeito, mas sim aquele que simboliza uma crença, uma fé. Estranha tendência esta para procurar reencarnações de D. Sebastião... Viveria com eles para sempre. Seria sua amante, escondida em quartos de hotel e resguardada em vãos de escada... se quisessem. Anular-me-ia por eles, tornar-me-ia a mulher - adorno que tanto procuram, seria perfeita! O tempo, o espaço, a temperatura e as circunstâncias não me permitiram sentir por eles mais que um desejo platónico, um amor vestido de ideais e lutas. Amei-os mais do que a todos os outros por causa daquilo que eles representam. Por causa da sua fé, da sua visão, do seu labor, da sua diligência incansável. Vejo-os como heróis. Para mim são mitos. Penso que os assusto. Ou provavelmente sou-lhes indiferente. Talvez m...

III

“Aumente o tamanho do seu sexo.” Ter um orgasmo é das sensações mais estranhas que um ser humano pode experienciar. Penso que uma pessoa não está verdadeiramente completa até ter acesso a esta bizarra contracção de músculos. Mesmo que se atinja o orgasmo a sós, o resultado físico é igualmente fascinante (estou aqui a descurar, como é óbvio, toda a dimensão psicológica dos sentimentos). Um orgasmo é inclassificável pela negativa: nunca ouvirão ninguém dizer que se veio e não gostou, que teve um orgasmo medíocre, ou um meio orgasmo. Um orgasmo é um acontecimento, um facto. Vale por si próprio. A questão da humidade inerente ao órgão sexual no momento da explosão é muito importante. Por vezes, um orgasmo um pouco menos húmido resulta numa experiência bastante mais ardente, ao passo que...

II

"Objects in mirror are closer than they appear" Não existem problemas, só existem soluções... Dá-me um pouco mais, quero um pouco mais. Um pouco mais dessa solução, desse antídoto. Queria beber esse antídoto. Nada dói mais que me descobrir a mim próprio Que disfarçar, fingir que não sei que sou eu. Quando, de facto, na verdade (é verdade!), sou mesmo eu. Os ciclos destes dias fecham-se em si mesmos. É uma entropia que já conheço, Uma força que desprezo, É a minha mão que teima em fugir. É o meu pequeno caos. Contempla a magia do caos! Fujo da magia do caos, mergulho nela, Vejo-me emergir ensopada de lodo e de ódio... O espelho reflecte carnes vazias de sentido. Reflicto-me, vazia de mim, cheia de tudo. Quero o sangue que se me esvaiu quando nasci.