Jazzamor
Lisboa é jazz. Desligaram os telemóveis, depois de um dia comum, a atender chamadas de clientes, fornecedores, publictários, a mãe que quer saber se tinha almoçado em condições. Partilhavam um pacote de batatas fritas, oleosas e estaladiças, quentinhas. Estranho petisco para um final de tarde de Verão! A mesa estava estrategicamente colocada num ponto que não dava muito nas vistas. Atrás de um pilar, num dos lados daquele rectângulo, daquela praça. Era mais um daqueles centros comerciais com aspirações a centro cultural, com programas "culturais" para entreter tios e betos. Betalhada que, no intervalo da compra de uma camisa Burberry's ou uma sandália Moschino, se refastela numa mesa a beber um ristretto (uma bica). Betos clássicos, betos cinéfilos, betos anti-betos, homens engravatados acabados de sair do banco, casais recém-formados, com aquele ar de quem descobriu o amor entre um balancete e uma apólice. Muita gente. E eles. Falavam sobre assuntos banais, os amigos que tinham viajado para a Suécia, para visitar os lagos (diziam que era bonito no Verão), a patroa, que era uma lésbica ressabiada com ódio a paneleiros. Cruzaram as pernas e, por momentos, os joelhos quedaram-se juntos. Em silêncio, estremeceram de prazer. Sentiam uma candura estranha, uma doçura dolorosa, achada no olhar do outro, uma coisa qualquer.
O cantor, desalinhado, ronronava uma melodia quase imperceptível, da qual apenas lhes chegava o tilintar do metalofone.
As mãos na mesa. Arrumam o telemóvel, colocam-no numa ordem qualquer, ao lado da carteira e do maço de tabaco. As mãos gesticulam suavemente, páram, percorrem a barba de dois dias.
Um deles tem um tique. Está nervoso. A perna direita marca um ritimo insistente.
Têm rostos de anjos que passaram demasiado tempo ao sol. Os olhos enormes, muito luzidios e castanhos, a pele torrada, suave, morena, com aquela barba tersa que convida ao toque. As mãos, que produzem diariamente quilómetros de bytes de informação e infindáveis páginas de números podiam dedilhar as cordas de uma harpa. Os dedos são ossudos, finos, delicados. Cheiram bem. De manhã escolheram meticulosamente o perfume que iriam usar. Uma gota no pescoço, uma na nuca, outra no peito. A essência aquece e transforma-se, deixando, no final do dia, uma nuvem quase imperceptível de aroma, uma aura de desejo em tons de madeiras exóticas e ylang-ylang.
Hoje podiam jantar!
Hoje podiam ir àquele indiano na Baixa, sentavam-se num recanto e provavam o caril das mãos um do outro. Podiam entrelaçar os dedos, por baixo da mesa, enquanto a conta não chegasse. Podiam vaguear nas ruas de Alfama, pela noite dentro, roubando beijos onde se oferecem fados.
Podiam atirar-se ao Tejo, nadar até à outra margem, lamber no corpo um do outro a doçura metálica do rio, secarem-se em suor. Podiam mudar o mundo!!
"Queres vir até minha casa?"
O cantor, desalinhado, ronronava uma melodia quase imperceptível, da qual apenas lhes chegava o tilintar do metalofone.
As mãos na mesa. Arrumam o telemóvel, colocam-no numa ordem qualquer, ao lado da carteira e do maço de tabaco. As mãos gesticulam suavemente, páram, percorrem a barba de dois dias.
Um deles tem um tique. Está nervoso. A perna direita marca um ritimo insistente.
Têm rostos de anjos que passaram demasiado tempo ao sol. Os olhos enormes, muito luzidios e castanhos, a pele torrada, suave, morena, com aquela barba tersa que convida ao toque. As mãos, que produzem diariamente quilómetros de bytes de informação e infindáveis páginas de números podiam dedilhar as cordas de uma harpa. Os dedos são ossudos, finos, delicados. Cheiram bem. De manhã escolheram meticulosamente o perfume que iriam usar. Uma gota no pescoço, uma na nuca, outra no peito. A essência aquece e transforma-se, deixando, no final do dia, uma nuvem quase imperceptível de aroma, uma aura de desejo em tons de madeiras exóticas e ylang-ylang.
Hoje podiam jantar!
Hoje podiam ir àquele indiano na Baixa, sentavam-se num recanto e provavam o caril das mãos um do outro. Podiam entrelaçar os dedos, por baixo da mesa, enquanto a conta não chegasse. Podiam vaguear nas ruas de Alfama, pela noite dentro, roubando beijos onde se oferecem fados.
Podiam atirar-se ao Tejo, nadar até à outra margem, lamber no corpo um do outro a doçura metálica do rio, secarem-se em suor. Podiam mudar o mundo!!
"Queres vir até minha casa?"
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