24
24 horas de pé. O cansaço havia de fazer os seus efeitos.
A combinação-cliché: Bairro e Lux. Mais urbano, decadente, pós-moderno e chique não podia ser. E, no entanto, no desencanto do desamor da cidade, descubro um novo motivo para viver.
O inesperado juntou-nos à mesa, entre discussões sobre política e cálices de Porto. Bebia compulsivamente e falava em tom arrogante como se, do alto dos seus poucos anos, fosse dono da verdade e se dignasse a partilhar uma pequena parte da sua sabedoria connosco, pobres mortais.
Um miúdo. Ao seu lado, senti-me infinitamente velha e cansada. Olhando-me no reflexo dos espelhos, via as rugas que me marcavam o contorno dos lábios, os meus olhos cépticos, cinzentos, de um verde nocturno. E ele, mesmo ali ao meu lado, apolíneo e fresco, bronzeado. Falava de viagens. Falava, falávamos e não dizíamos nada. Típico... já se está a ver no que é que isto vai dar...
Um nome conhecido faz os seus passes de mágica no altar. Prostramo-nos em seu redor, fazendo vénias, sacudindo o corpo num êxtase mais-que-religioso. Dance... dance... dance!!
Volta ao mundo, dá a volta ao teu corpo. Se fechasses os olhos, estarias numa ilha, deitado sob sóis psicadélicos. Fica-te bem esse tom multicolor, esse arco-íris tecnológico reflectido nas tuas calças de ganga, na camisa deliciosamente ajustada. Dança!
Ensinou-me a dançar o tango ao som do tecno. Estranha combinação. Mais tarde dir-me-á que bebeu de mais. Eu acredito e não censuro. Ninguém no seu perfeito juízo dança o tango ao som do tecno. Era tango ou salsa? Ou era a tanga que me deu, a trela, a conversa de engate que eu andava sequiosa de ouvir. Como estava aquilo a acontecer, numa noite em que nem sequer me tinha maquilhado e vestia uma das mais infelizes combinações do meu armário? Bendita fermentação do malte, que milagres fazes!
A multidão salta, enfurecida, mas nós já não estamos lá. Isolados num beijo, num abraço, numa falsidade sincera de quem sabe que o que ainda nem começou já está terminado.
Só nos comemos para poder experimentar a suavidade dos nossos lábios contra outros lábios, o olhar desarmado que recebemos quando provocamos o outro. Jogo... que ilusão... eu nunca jogo!
Seria incapaz de usar qualquer estrategema. Tudo aconteceu assim, porque sim.
Tudo gira, nós giramos, o teu corpo suado colado ao meu. Não te quero próximo de mais, abraça-me...
Dás-me a mão. Estou derrotada. Nunca me dão a mão.
O sol nasce, tímido, o Tejo é uma massa líquida, mole e leitosa, um espelho baço do céu.
Somos guerreiros no merecido descanso. Não quero degladiar-me com o teu corpo. Ficamos,sós, aqui. Eu e tu, juntos, cada um no seu mundo, a pensar saber-se lá em quê.
Atrozmente inseguros, carentes, obsessivos, cheios de dinheiro e de vícios, à procura de algo que sabemos que não vamos encontrar. O amor é um desengano e só vale a pena quando está longe, quando não existe, quando encerra uma promessa de algo melhor, um projecto num futuro ficcionado. Amanhã será sempre melhor. Hoje, contento-me com o que há.
Mas a tua mão teima em encontrar-se com a minha...
O caminho para casa promete aliviar-me. Quero dormir, dormir, lavar com horas de inconsciência a intensidade das últimas horas. Não pensei, nunca pensei, desenho com facas o meu destino.
Vejo-te, tão doce, falando em planos forçados. "Podemos voltar a encontrar-nos? Eu quero muito ser teu amigo!". Sorrio, olho-te bem aí para dentro, digo-te em silêncio que sei que mentes, que não nos vamos ver mais.
"Adeus"
"Não te esqueças de dizer alguma coisa, sim?"
"Adeus"
A combinação-cliché: Bairro e Lux. Mais urbano, decadente, pós-moderno e chique não podia ser. E, no entanto, no desencanto do desamor da cidade, descubro um novo motivo para viver.
O inesperado juntou-nos à mesa, entre discussões sobre política e cálices de Porto. Bebia compulsivamente e falava em tom arrogante como se, do alto dos seus poucos anos, fosse dono da verdade e se dignasse a partilhar uma pequena parte da sua sabedoria connosco, pobres mortais.
Um miúdo. Ao seu lado, senti-me infinitamente velha e cansada. Olhando-me no reflexo dos espelhos, via as rugas que me marcavam o contorno dos lábios, os meus olhos cépticos, cinzentos, de um verde nocturno. E ele, mesmo ali ao meu lado, apolíneo e fresco, bronzeado. Falava de viagens. Falava, falávamos e não dizíamos nada. Típico... já se está a ver no que é que isto vai dar...
Um nome conhecido faz os seus passes de mágica no altar. Prostramo-nos em seu redor, fazendo vénias, sacudindo o corpo num êxtase mais-que-religioso. Dance... dance... dance!!
Volta ao mundo, dá a volta ao teu corpo. Se fechasses os olhos, estarias numa ilha, deitado sob sóis psicadélicos. Fica-te bem esse tom multicolor, esse arco-íris tecnológico reflectido nas tuas calças de ganga, na camisa deliciosamente ajustada. Dança!
Ensinou-me a dançar o tango ao som do tecno. Estranha combinação. Mais tarde dir-me-á que bebeu de mais. Eu acredito e não censuro. Ninguém no seu perfeito juízo dança o tango ao som do tecno. Era tango ou salsa? Ou era a tanga que me deu, a trela, a conversa de engate que eu andava sequiosa de ouvir. Como estava aquilo a acontecer, numa noite em que nem sequer me tinha maquilhado e vestia uma das mais infelizes combinações do meu armário? Bendita fermentação do malte, que milagres fazes!
A multidão salta, enfurecida, mas nós já não estamos lá. Isolados num beijo, num abraço, numa falsidade sincera de quem sabe que o que ainda nem começou já está terminado.
Só nos comemos para poder experimentar a suavidade dos nossos lábios contra outros lábios, o olhar desarmado que recebemos quando provocamos o outro. Jogo... que ilusão... eu nunca jogo!
Seria incapaz de usar qualquer estrategema. Tudo aconteceu assim, porque sim.
Tudo gira, nós giramos, o teu corpo suado colado ao meu. Não te quero próximo de mais, abraça-me...
Dás-me a mão. Estou derrotada. Nunca me dão a mão.
O sol nasce, tímido, o Tejo é uma massa líquida, mole e leitosa, um espelho baço do céu.
Somos guerreiros no merecido descanso. Não quero degladiar-me com o teu corpo. Ficamos,sós, aqui. Eu e tu, juntos, cada um no seu mundo, a pensar saber-se lá em quê.
Atrozmente inseguros, carentes, obsessivos, cheios de dinheiro e de vícios, à procura de algo que sabemos que não vamos encontrar. O amor é um desengano e só vale a pena quando está longe, quando não existe, quando encerra uma promessa de algo melhor, um projecto num futuro ficcionado. Amanhã será sempre melhor. Hoje, contento-me com o que há.
Mas a tua mão teima em encontrar-se com a minha...
O caminho para casa promete aliviar-me. Quero dormir, dormir, lavar com horas de inconsciência a intensidade das últimas horas. Não pensei, nunca pensei, desenho com facas o meu destino.
Vejo-te, tão doce, falando em planos forçados. "Podemos voltar a encontrar-nos? Eu quero muito ser teu amigo!". Sorrio, olho-te bem aí para dentro, digo-te em silêncio que sei que mentes, que não nos vamos ver mais.
"Adeus"
"Não te esqueças de dizer alguma coisa, sim?"
"Adeus"
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