Um homem normal
Ele não era um homem de excessos. Bebia o seu copo de vez em quando, fumava um charro com os amigos, aos fins-de-semana. Jogava no Euro Milhões.
O emprego pagava bem, não tinha razões de queixa. As prestações do carro estavam em ordem, as da casa também. A vida corria.
A mulher não lhe dava problemas. Bonita, sem ser espampanante, engraçada, mas não demasiado inteligente (as mulheres inteligentes davam-lhe dores de cabeça). Estavam a pensar ter o primeiro filho. Ela andava entusiasmada com papel de parede com ursinhos, babetes e biberões, ele com a satisfação de formar a sua prole.
Às Sextas fodiam. A mulher não o excitava demasiado, dava-lhe tesão suficiente para levar a cabo o acto. Era meiga, carinhosa. Iria dar uma excelente mãe. Às Sextas, “faziam amor”. Legítima e legalmente. Perante Deus, o Estado e aqueles horrorosos candeeiros que ela insistira em comprar.
Era Sexta-feira.
Encontraram-se com os amigos. Três casais, entrando nos trinta. O grupo do costume, no bar do costume. Duas mesas, encostadas propositadamente para acolher os seis, estavam repletas de garrafas de cerveja, copos com vodka, gin tónico, coca-cola. Alguns cigarros acesos, vozes graves e agudas. Discutia-se acaloradamente a mudança de governo. Secretamente, era a favor de um golpe de Estado, mas lá ia concordando com os amigos, que argumentavam que a esquerda ia esvaziar os cofres e afundar o País.
Alheadas dos destinos políticos da Nação, elas falavam sobre uma amiga que se tinha divorciado recentemente. Pela forma como comentavam o caso, pelo tom de voz, pela condescendência do olhar, pela atirar confiante dos cabelos para trás dos ombros, transparecia um inegável orgulho na manutenção de um casamento são e pena pelo comportamento desviante da amiga.
Mãos com unhas meticulosamente arranjadas e pintadas seguravam cigarros caros, levando-os até aos lábios pintados de um rosa discreto. As roupas variavam (pouco) nos tamanhos e nos modelos, mas tinham algo de uniforme.
Onze e meia.
Ela impacientava-se. Estava a ficar tarde e amanhã tinham de levantar-se cedo, para almoçarem em casa dos pais. Ainda queria ir ao cabeleireiro retocar as madeixas e fazer o buço. Fez-lhe sinal para que irem embora. Ele ergueu-lhe a palma da mão, pedindo mais cinco minutos.
Impacientou-se. A sua botinha preta de cano alto, tamanho 36, trotava ritmicamente no soalho, em sinal de irritação. O beiço inferior tornou-se ligeiramente saliente. Franziu o cenho.
Pediu a terceira cerveja. Estava animado. Um amigo, que já não via há muito tempo, acabara de entrar no bar. Abraçaram-se efusivamente, dando fortes palmadas nas costas.
Deram conta das vidas uns dos outros: mulheres, filhos, trabalho, dinheiro.
O amigo, o aventureiro (ou como a mulher o costumava chamar, a “ovelha negra”), amante de boa vida, sugeriu que abandonassem o bar. Conhecia um clube excelente que tinha aberto há pouco tempo. O dono era “dos dele” e a clientela do melhor (gajas).
Uma discoteca… Já não as frequentava desde os tempos da faculdade. Nem sequer tinha a certeza se ainda sabia dançar!
Ela não iria. E também não o ia deixar ir. Se insistisse, ia arranjar sarilhos. Amuos e recriminações durante uma semana. Estava-se nas tintas, apetecia-lhe ir para a borga com os amigos, como dantes.
Discutiram na rua, em voz baixa, para que ninguém se apercebesse. Ela bramia acusações quase histéricas. Ele, com as mãos nos bolsos, olhava em redor, num misto de impaciência e tédio. Deixou-a desfiar o rosário de queixumes, que eram acompanhados de um olhar húmido, enraivecido. Despediu-se dela com um beijo no rosto.
Enquanto ela se afastava em direcção ao carro, ele acercou-se dos amigos.
Um odor acre a álcool saía das bocas sorridentes e palradoras. O amigo narrava casos loucos, que envolviam mulheres exóticas, terras distantes. Muitas mulheres, tanto sexo, tanta coisa que ele não fazia ideia que existisse.
Um a um, os carros foram-se alinhando na estrada. Entre algumas ultrapassagens menos recomendáveis, muitos sinais de luzes, manguitos e buzinadelas, a tribo masculina foi-se aproximando do destino. O clube. O porteiro, um gorila enfiado num fato Armani.
Aquilo era um sítio caro. Segundo o amigo, muito apreciado por vedetas, socialites, modelos em ascensão. Muita mulher e muita bicha.
Receberam o cartão da casa e entraram.
(continua...)

Comentários

tmnp disse…
...a continuação?!

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