Até ao Fim

Se te amo?
O que é o amor quando temos um crédito-habitação a 35 anos? O que importa a paixão, se o tecto que nos abriga a cabeça pertence ao BES?
Podes sair por essas ruas imundas, podes beber até cair, podes drogar-te, podes foder essas solteironas histéricas que, ocasionalmente, te dão a volta à cabeça. Podes fazer o que quiseres, desde que eu não saiba. Desde que apenas desconfie. Desde que, às 6 da tarde ou às 6 da manhã, rodes a chave na porta e te deites ao meu lado. Olha-te ao espelho, olha para mim, olha para nós. É isto que queres? Ou não queres saber? Não queres pensar? Ainda bem, nem eu.
Vá, vamos de férias! Vamos a um destino tropical da moda, vamos comer sushi, vamos jantar com os nossos amigos. Com a passagem inexorável dos minutos, das horas, dos dias, beberás mais uma imperial, desapertarás mais um botão das calças. A tua barriga crescerá ainda mais, perderás o pouco cabelo que te resta, o brilho no olhar que ainda dá à volta a algumas cabeças ocas. Elas não te conhecem como eu conheço. Tu não passas de um falhado. És o que és porque eu existo. Eu estou aqui, do teu lado, censurando-te em silêncio e lavando a tua roupa interior. Eu estou aqui, dia após dia, ano após ano, a limpar a tua merda e a fazer-te a cama. Desta já não te levantas! Eu conheço-te, por detrás dessa rebeldia, esconde-se um puto inseguro, com medo de arriscar. Eu sou tudo o que tens. Daqui já não sais. Mesmo que quisesses, mesmo que um dia te passasses e quisesses começar de novo, não conseguirias. Estás preso a mim, pelas mãos, pelos pés, pela língua e pelos bolsos. Assim o quiseste, assim será. Até ao Fim.

Comentários

O Guaxinim disse…
Se eu lhe contar um segredo
(a medo...)
fico mais desabafada
no outro dia ouvi a chave
a rodar lá pelas nove
e fingi-me desmaiada
Dá-me uma reles beijoca
se isso é que é o boca-a-boca
não vou querer que mais ninguém
me salve

"Pequenos Delírios Domésticos", Sérgio Godinho

A vida feita de reles beijocas é tudo o que eu não quero.

Mensagens populares deste blogue

Eles... e eu

Ninguém

...E um para pensar