100º F
Mostra-me a língua e, indolentemente, recosta-se na espreguiçadeira. Sob o sol intenso do final de Junho, naquele recanto escondido do mundo, tudo acontece num compasso próprio. As regras são diferentes, o sangue corre morno nas veias, os pensamentos são interrompidos apenas pelo zumbido das cigarras, pelo murmúrio das ondas e pela chegada à mesa de mais uma imperial. Sorvo um pouco do líquido amarelado e borbulhante, que me refresca a garganta. Sorrio-lhe, com um ligeiro aceno de cabeça, antes de recolocar os óculos de sol, que me protegem desta luz quase equatorial. Na pele tostada pelo sol um tom ocre, de tardes de preguiça, de maresia. As pernas, musculadas e elásticas, repousam ligeiramente flectidas. Mesmo a descansar, parece pronto para arrancar numa corrida desenfreada. “Não faz nada o meu género!”, penso. No entanto, há qualquer coisa naquele homem seco, de andar gingão e olhar pestanudo que me faz adiar o meu regresso. Devia estar a caminho da cidade, para resolver questões de trabalho que ando a protelar há demasiado tempo. Olho de novo para o céu azul desbotado, para a água doce e gorgolejante da piscina, para aquele sorriso ansioso e decido, alegremente, partir às seis da manhã do dia seguinte, em completa negação e convencidíssima que o vou conseguir fazer sem, pelo menos, parar meia dúzia de vezes para beber mais um café.
Lê um jornal desportivo. Sem demasiada atenção, folheia as páginas, produzindo um ruído crocante que se impõe naquele silêncio quase monástico. Não repara que o estou a observar e esfrega vigorosamente o nariz com a mão esquerda, o que lhe deixa o rosto enegrecido da tinta de impressão do jornal. Ao dar-se conta das manchas na ponta dos dedos, fecha o jornal, abandona-o aos pés da espreguiçadeira, levanta-se e, com as mãos apoiadas nas ancas, observa a piscina. Sem mais, dá um passo atrás, flecte ligeiramente os joelhos duros e musculados de atleta e, com uma elegância olímpica, mergulha na viscosidade fresca do tanque de luxo. Dá quatro braçadas rápidas, atravessa a piscina e, franzindo o sobrolho por causa do sol implacável do meio-dia, apoia os braços no cimento e queda-se a olhar para mim.
- Então? - atira.
- Então… - digo.
- Ficas, não é? - já tomou a decisão por mim e não admite uma resposta negativa.
- Não sei, tenho coisas para fazer lá em cima… - digo, sem demasiada convicção.
- Ficas, não é? Espectáculo! - sorri e volta costas, para atravessar novamente a piscina, fazendo um estardalhaço com os pés e salpicando alguns turistas ingleses, rosadinhos, rechonchudos e sem grande sentido de humor. Termino a minha cerveja, que perdeu gás e ganhou uma temperatura pouco agradável. Observo-o a sair da piscina de rompante, apenas com o auxílio de uma ágil flexão de braços. Aquele corpo, compacto, latino e duro, parece ainda mais tentador assim, molhado, adornado de milhares de gotículas refulgentes. Tenho vontade de mandar as regras às urtigas, correr até ele, abraçá-lo, espalmar as mãos contra o seu peito duro, o abdómen musculado, as costas cinzeladas pelo exercício, esfregar o nariz na sua nuca, no cabelo cor de azeviche, aspirar avidamente o sol na sua pele. Quero-o, não sei se por culpa deste sol que me embebeda, se por culpa dele. Quero-o, ele quer-me, é o querer do Estio, sem mais.
- Vamos? - diz e, acto contínuo, estende-me a mão, num gesto deliciosamente ingénuo e adolescente. De mãos dadas, olhos pregados no chão, num misto de ansiedade e súbita timidez, percorremos um trilho estreito, ladeado de pequenos arbustos de alfazema, urze e carqueja. A pequena villa, isolada do resto do aldeamento por uma sebe florida, aguarda, paciente, a nossa chegada…
A pesada porta de madeira pintada em tons desmaiados abre-se. Ficamos momentaneamente cegos devido ao contraste de luminosidade e, aos apalpões, introduzimo-nos na penumbra fresca do quarto. Tenho-o à minha frente, olhos nos olhos, inquisidor. Não é muito mais alto que eu, nem mais encorpado. Sem lhe tocar, sinto-lhe os músculos retesados, em tensão, como se estivesse prestes a entrar em campo. Sorrio, desvio o olhar e contemplo a cama, exageradamente grande, fresca, branca, convidativa, provocadoramente entreaberta. Semicerro os olhos, sorrio, num súbito ataque de timidez. Parados no pequeno corredor, de pé, num compasso de espera. Quem dá o pontapé de saída?
Observo-o atentamente, em silêncio, e reparo na sua jugular, que lateja. A respiração, ligeiramente acelerada, contrasta com a mirada irónica e decidida. Dá um passo na minha direcção e, sem me tocar, obriga-me a recuar, a ficar encostada à parede. Aproxima os seus lábios dos meus, mas recua a escassos milímetros. Sinto o seu hálito quente e apetecível na minha cara, sustenho a respiração e colo-me ainda mais contra a parede. Sinto os joelhos tremerem, à medida em que a sua boca carnuda roça quase imperceptivelmente no meu pescoço. A mão direita posiciona-se na minha cintura, a esquerda acaricia-me as costas, a nuca, o cabelo. Tenho a boca seca, a arder por ele, uma torrente de lava corre no meu corpo… Capitulo, finalmente, quando, com um movimento rápido, me vira de costas, me morde a nuca e me puxa o cabelo.
- Quero-te - imploro-lhe.
Ignora o meu pedido. Encosta-se completamente a mim e, enquanto distribui suaves beijos nos meus ombros, nas omoplatas, nas costas, faz questão de me fazer sentir o que me espera. Quero que me foda já, ali, de pé, até me fazer gritar, quero-o tanto dentro de mim… Já não sou, estou fora do meu corpo. Eu sou eu e a outra, ser animal, que se debate para sair, para o devorar, para ser devorada.
Ajoelha-se, afasta-me ligeiramente as pernas e quase desmaio quando lhe sinto a língua, ágil e morna, dentro de mim. Com as mãos e com a boca faz-me mergulhar em mim, esquecer-me do resto do meu corpo, reduzir-me ao mais primitivo de mim. Eu, mulher, fêmea, o poder entre as pernas. Quando estava a quase a entrar em transe pré-extático, levanta-se de rompante. Sem que consiga ripostar, levanta-me o vestido e, de um só golpe, enfia-se dentro de mim. Não consigo conter um grito gutural, vindo do fundo da garganta, das entranhas. Braços, barriga, mãos, cabelos, pernas, lutamos suados um combate, de igual para igual. Os nossos ventres unidos, um só ser, colados como moluscos pré-históricos. Os dedos cravados nas minhas ancas, puxa-me cada vez mais o cabelo, sussurra-me deliciosas ofensas, irrepetíveis, geme, cada vez mais alto, gemo. A respiração, cada vez mais ofegante, é difícil continuar de pé, assim… De repente, o abismo. Escassos milésimos de segundo em que a alma sai do corpo, o espasmo divino, dilúvio celestial. Eu sou água e ele está em mim.
Demoramos algum tempo um dentro do outro até as respirações voltarem ao normal. Com dificuldade, descola o seu corpo do meu e atira-se para cima da cama. De olhos fechados, exausto, com um sorriso satisfeito, parece uma criança. Deito-me a seu lado, aconchegando-o junto ao meu peito.
Lê um jornal desportivo. Sem demasiada atenção, folheia as páginas, produzindo um ruído crocante que se impõe naquele silêncio quase monástico. Não repara que o estou a observar e esfrega vigorosamente o nariz com a mão esquerda, o que lhe deixa o rosto enegrecido da tinta de impressão do jornal. Ao dar-se conta das manchas na ponta dos dedos, fecha o jornal, abandona-o aos pés da espreguiçadeira, levanta-se e, com as mãos apoiadas nas ancas, observa a piscina. Sem mais, dá um passo atrás, flecte ligeiramente os joelhos duros e musculados de atleta e, com uma elegância olímpica, mergulha na viscosidade fresca do tanque de luxo. Dá quatro braçadas rápidas, atravessa a piscina e, franzindo o sobrolho por causa do sol implacável do meio-dia, apoia os braços no cimento e queda-se a olhar para mim.
- Então? - atira.
- Então… - digo.
- Ficas, não é? - já tomou a decisão por mim e não admite uma resposta negativa.
- Não sei, tenho coisas para fazer lá em cima… - digo, sem demasiada convicção.
- Ficas, não é? Espectáculo! - sorri e volta costas, para atravessar novamente a piscina, fazendo um estardalhaço com os pés e salpicando alguns turistas ingleses, rosadinhos, rechonchudos e sem grande sentido de humor. Termino a minha cerveja, que perdeu gás e ganhou uma temperatura pouco agradável. Observo-o a sair da piscina de rompante, apenas com o auxílio de uma ágil flexão de braços. Aquele corpo, compacto, latino e duro, parece ainda mais tentador assim, molhado, adornado de milhares de gotículas refulgentes. Tenho vontade de mandar as regras às urtigas, correr até ele, abraçá-lo, espalmar as mãos contra o seu peito duro, o abdómen musculado, as costas cinzeladas pelo exercício, esfregar o nariz na sua nuca, no cabelo cor de azeviche, aspirar avidamente o sol na sua pele. Quero-o, não sei se por culpa deste sol que me embebeda, se por culpa dele. Quero-o, ele quer-me, é o querer do Estio, sem mais.
- Vamos? - diz e, acto contínuo, estende-me a mão, num gesto deliciosamente ingénuo e adolescente. De mãos dadas, olhos pregados no chão, num misto de ansiedade e súbita timidez, percorremos um trilho estreito, ladeado de pequenos arbustos de alfazema, urze e carqueja. A pequena villa, isolada do resto do aldeamento por uma sebe florida, aguarda, paciente, a nossa chegada…
A pesada porta de madeira pintada em tons desmaiados abre-se. Ficamos momentaneamente cegos devido ao contraste de luminosidade e, aos apalpões, introduzimo-nos na penumbra fresca do quarto. Tenho-o à minha frente, olhos nos olhos, inquisidor. Não é muito mais alto que eu, nem mais encorpado. Sem lhe tocar, sinto-lhe os músculos retesados, em tensão, como se estivesse prestes a entrar em campo. Sorrio, desvio o olhar e contemplo a cama, exageradamente grande, fresca, branca, convidativa, provocadoramente entreaberta. Semicerro os olhos, sorrio, num súbito ataque de timidez. Parados no pequeno corredor, de pé, num compasso de espera. Quem dá o pontapé de saída?
Observo-o atentamente, em silêncio, e reparo na sua jugular, que lateja. A respiração, ligeiramente acelerada, contrasta com a mirada irónica e decidida. Dá um passo na minha direcção e, sem me tocar, obriga-me a recuar, a ficar encostada à parede. Aproxima os seus lábios dos meus, mas recua a escassos milímetros. Sinto o seu hálito quente e apetecível na minha cara, sustenho a respiração e colo-me ainda mais contra a parede. Sinto os joelhos tremerem, à medida em que a sua boca carnuda roça quase imperceptivelmente no meu pescoço. A mão direita posiciona-se na minha cintura, a esquerda acaricia-me as costas, a nuca, o cabelo. Tenho a boca seca, a arder por ele, uma torrente de lava corre no meu corpo… Capitulo, finalmente, quando, com um movimento rápido, me vira de costas, me morde a nuca e me puxa o cabelo.
- Quero-te - imploro-lhe.
Ignora o meu pedido. Encosta-se completamente a mim e, enquanto distribui suaves beijos nos meus ombros, nas omoplatas, nas costas, faz questão de me fazer sentir o que me espera. Quero que me foda já, ali, de pé, até me fazer gritar, quero-o tanto dentro de mim… Já não sou, estou fora do meu corpo. Eu sou eu e a outra, ser animal, que se debate para sair, para o devorar, para ser devorada.
Ajoelha-se, afasta-me ligeiramente as pernas e quase desmaio quando lhe sinto a língua, ágil e morna, dentro de mim. Com as mãos e com a boca faz-me mergulhar em mim, esquecer-me do resto do meu corpo, reduzir-me ao mais primitivo de mim. Eu, mulher, fêmea, o poder entre as pernas. Quando estava a quase a entrar em transe pré-extático, levanta-se de rompante. Sem que consiga ripostar, levanta-me o vestido e, de um só golpe, enfia-se dentro de mim. Não consigo conter um grito gutural, vindo do fundo da garganta, das entranhas. Braços, barriga, mãos, cabelos, pernas, lutamos suados um combate, de igual para igual. Os nossos ventres unidos, um só ser, colados como moluscos pré-históricos. Os dedos cravados nas minhas ancas, puxa-me cada vez mais o cabelo, sussurra-me deliciosas ofensas, irrepetíveis, geme, cada vez mais alto, gemo. A respiração, cada vez mais ofegante, é difícil continuar de pé, assim… De repente, o abismo. Escassos milésimos de segundo em que a alma sai do corpo, o espasmo divino, dilúvio celestial. Eu sou água e ele está em mim.
Demoramos algum tempo um dentro do outro até as respirações voltarem ao normal. Com dificuldade, descola o seu corpo do meu e atira-se para cima da cama. De olhos fechados, exausto, com um sorriso satisfeito, parece uma criança. Deito-me a seu lado, aconchegando-o junto ao meu peito.
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