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A mostrar mensagens de outubro, 2006

Dor

São duas da manhã. Agora sei, de certeza, que não vais voltar. Estou deitada, na penumbra do quarto. O telemóvel, esse pequeno paralelepípedo que me conecta ao mundo, jaz na mesinha, silencioso, quieto. Aguardo aquela resposta que nunca chegará, o golpe de asa, o momento crucial, que transformaria esta estória sem história numa narração elíptica, sem fim. O meu corpo arde, febril, quero respirar, mas esta dor lancinante paralisa-me os músculos. Tudo me dói, desde a cartilagem da garganta até às articulações dos tornozelos. As lágrimas escorrem-me pelo rosto, sem que seja necessário urdir um queixume, um gemido. Apetece-me gritar mas, se o fizesse, pareceria demasiado cinematográfico. Pouco real. Como esta é a vida que todos temos, limito-me a ficar enroscada nos lençóis, transida de raiva, como um animal ferido.A história é muito simples. Tu tens outra pessoa e eu entrei, furtivamente, na tua vida. Mais, uma vez, deixei-me apanhar neste grande erro, na grande ilusão que é achar que, à ...

Já não sou quem era

Já não sou quem era. Já nem sei quem sou. Nada me emociona, nada me comove, nada me move. Só o trabalho me faz respirar com vontade e seguir em frente. Detesto tudo à minha volta, tudo me desinteressa e aborrece. Ninguém me atura nem eu me sinto capaz de aturar quem quer que seja. Desprezo a felicidade dos que me rodeiam por não ser aquela que ambiciono. O que é isso da felicidade? Que sei eu sobre isso? Diz-se que é na infância que somos realmente felizes. Não me parece. Dessa altura só tenho recordações difusas, normais. Desde que me lembro de existir que sinto este peso e angústia permanentes, que me sufocam o peito e me amargam o estômago. Sou cínica perante o amor, especialmente quando o recebo. Cheguei a tal ponto de descrença que já nem os homens me entusiasmam. Nenhum. Antes, bastava um olhar, um elogio, para se reacender um lastro de esperança, uma chama de desejo, um encantamento instantâneo (Sou tão fácil! Era...). Agora, nem isso. À primeira palavra doce, fujo. Fisicamente,...

Eles dizem que vão!! Ai dizem, dizem!

- " Eles disseram ontem, no telejornal, que vai aumentar os impostos! Anda aqui um gajo a trabalhar para encher o cú a esses gajos ! Eles é que sabem! Depois é só Mercedes, BM's e gajas boas... Eles é que se enchem de guito e um gajo aqui, a dar o litro!" - " Eles vão mandar tropas para o Iraque e depois nós é que nos lixamos..." - " Eles querem é mama, pensas que eu não sei? Eu já conheço os gajos !" Soa familiar? Pois... Para o comum português (ok, não será o português, figura abstracta. É mesmo o TUGA), coabita entre nós, comuns mortais, uma entidade, um supra-sumo invisível mas omnipresente, que existe apenas para lixar a vida ao Zézinho. São "eles" ou, numa versão mais radical, "os gajos". "Eles" são os que cobram impostos, os patrões, os políticos, os administradores das empresas, os pretos, os paneleiros, as lésbicas, as mulheres independentes, o dono do café da esquina, o vendedor de pipocas, o cangalheiro, ...

Não sei...

Quero foder-te! Não, não é isso... Quero apenas que me abraces, como fizeste hoje, que me acaricies o cabelo e faças os teus dedos dançarem no pescoço. Quero que deixes a tua namorada, já! Não, não quero nada disso... Quero ser, apenas, tua amante. Quero-te clandestinamente, roubar-te beijos numa esquina, fazer amor à pressa, suado, sexo simples. Quero que percas o tempo suficiente para me amar. Não, não! Tenho medo da intimidade, tenho medo de ti, não me quero apaixonar. Quero que me puxes pelos cabelos e que me beijes as pálpebras. Que sejas um touro e um beija-flor. Quero que me tatues o corpo de nódoas negras, que me enchas a casa de flores. Quero um anel e não quero nada. Não quero mais nada, se não puder ter tudo.

Abraço

"Bo seiva Invadi-m nha korasom sem limit Ai si um pudéss, Bibé um káliss d'bo melodia!" "Regasu", Mayra Andrade Quando me abraçou, tudo se tornou claro. Tudo se encaminhou, irremediavelmente, para um doce caos. Quando me abraçou, um rio morno correu dentro de mim e a minha pele abriu-se de par em par. Impregnou-me da nuvem evanescente do seu cheiro, senti o vigor dos seus braços e, naqueles breves instantes, fui feliz.