Açúcar Mascavado


“She’s a maneater, make you work hard,
make you spend hard, make you want all, of her love”
“Maneater”
Nelly Furtado


- Já te vais embora? Não vás, volta para aqui! – diz ele, o corpo refastelado, perdido no meio do caos dos lençóis brancos, o rosto apoiado na palma da mão direita, os olhos brilhantes e ensonados.
- Tem que ser. Tenho de ir.
- Não vás… Quero foder-te, só mais uma vez…
Beijo-o suavemente na testa. Antes de abandonar o quarto, contemplo-o. Aquele corpo todo, aqueles braços, aquelas mãos, as pernas, a boca, aquele sexo pecaminoso… Tudo aquilo foi meu. Sem angústias, sem medo, fecho a porta atrás de mim e chamo o elevador. Sorrio. Livre.

A silly season já tinha começado e as perspectivas não eram animadoras. Sem férias (nem sequer uns dias de descanso), o Verão adivinhava-se monótono e enfadonho. Lisboa, pegajosa e húmida, prendia-me às suas ruelas, sufocava-me. Urgia sair, mudar de ares, fugir. Depois de vários meses de encontros falhados, noites de sexo enfadonho, expectativas não correspondidas, o que eu desejava ardentemente era um Estio em sossego. Assim que o vi, sacudindo as ancas ao ritmo inquietante dos batuques electrónicos, apercebi-me que ainda não era desta que ia ter paz. Podia ter virado costas, podia ignorar a sua presença, podia ter-me limitado a contemplar o seu corpo provocador, enfiado nuns jeans inteligentemente largos e numa t-shirt alva, o seu sorriso desarmante… mas não, não consegui. Eu tinha de o ter, fosse de que maneira fosse. E, assim que ele deu pela minha presença (foi preciso alguma sorte, a praia estava repleta de miúdas muito mais giras e menos vestidas), não desperdicei tempo. Time is sex, sex rules the world. Durante uma noite, pelo menos, eu ia agitar as águas daquele moreno irresistível. Apresentações, apresentações, todo o bla bla da praxe, aqueles 20, 30 minutos necessários ao conhecimento mútuo. Acho que ele percebeu, desde o primeiro “olá”, que eu o queria comer. E achou piada a isso. Não é que eu parecesse desesperada. Eu queria, sincera e inocentemente, comê-lo. Só isso. Para mim, que não sou uma desportista por aí além e carrego nos ossos alguns quilitos a mais, tornava-se cada vez mais difícil manter o equilíbrio e dançar graciosamente na areia fina e mole. A cada movimento, os pés enterravam-se no solo movediço. Ele ria-se, eu ria-me e, de braços no ar, louvávamos o DJ, venerávamos a lua, as estrelas, as drogas e o álcool que nos corriam nas veias, cumprindo, diligentemente, a sua função.
- Os teus olhos são quase, quase verdes… - dizia ele, com um sorriso de menino…
- Não sejas parvo!
- A sério! São bonitos!
- Vá, vamos dançar!
Sacudimo-nos, acompanhando as batidas frenéticas. Sem darmos por isso, estávamos colados um ao outro. Corpo a corpo. Devagar, pude aperceber-me como a sua pele (húmida, apetitosa, suada) era morena, como os seus músculos eram definidos, como todo o seu corpo parecia ter sido esculpido a cinzel. Assustei-me. Era demasiado corpo para mim. Demasiada perfeição. Não lido bem com homens de corpos perfeitos. Receio sempre que, das duas uma: ou se desiludam com as formas pouco trabalhadas da minha figura, ou sejam pouco esforçados na cama. Ainda é Verão, ainda somos jovens, não há responsabilidades de grande monta, não há amor, não há perspectivas de futuro… Que se foda!
As horas passam, parecem gotas a esvaírem-se, como loucas, pela curva do teu pescoço, na tua testa alta, no fundo das costas… Quero-te tanto… Quero a minha língua colada à tua barriga, ao teu estômago seco, às tuas costas, à tua nuca. Quero aspirar o teu cheiro a sal, a sol, a açúcar mascavado, a praia, o aroma do teu cabelo, com vestígios de champô, de tabaco, de outras mulheres… Quero ser só mais uma. São 5 da manhã… já nada interessa. Somos dois amontoados de carne nesta praia repleta de gente. Já não pensamos. Vem.

E foi naquele preciso momento em que estávamos prestes a iniciar a sequência do prazer que ele fez o improvável. Assim que fechei a porta do quarto, em vez de me beijar, em vez de enrolar os seus braços em torno do meu corpo, colocou-se por trás de mim e encheu as mãos com os fios do meu cabelo. Puxou-me firmemente, para si. Não me agarrou, não me forçou. Reinava um silêncio avassalador, apenas interrompido pelo baque interior do meu coração. Senti que morria sufocada de expectativa, medo e prazer. A boca, a ferver, na minha nuca. Os lábios roçaram, quase imperceptivelmente, no meu pescoço. As minhas pernas tremeram. Segurou-me, prendeu-me ainda mais. Fui feita prisioneira pela cabeça, tinha o meu coração livre. A minha alma não existia. Só eu, corpo, fêmea. Levantou-me o vestido e comecei a tê-lo, inteiro, denso. Largou-me o cabelo e prendeu-me as mãos com as suas mãos. Senti-me derreter, açúcar derretido, a ferver, entre as minhas pernas. Uma vez mergulhei, sem querer, os dedos numa panela cheia de caramelo acabado de fazer. É uma queimadura desagradável, porque o calor persiste durante várias horas.
Seguro de si, movimentou-se com orgulho, com firmeza, com desdém da minha vulnerabilidade. Doíam-me as pernas, os braços, as mãos, toda eu era sangue em convulsão e rios de água morna… Algumas lágrimas escorreram pelas minhas faces, pelo meu peito, pela minha barriga, rolaram para o vazio… Mergulhei na inconsciência. Ao longe, pressenti-o contrair-se, soltar um gemido surdo, quase gutural. Tatuou-se em mim.
Quando acordei, o sol ia alto. Consegui escutar o marulhar das ondas através da janela entreaberta. Eis o homem, adormecido…

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