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A mostrar mensagens de maio, 2006

Cenas de um casamento

“Há uma festa linda a acontecer no mundo e nós não fomos convidados” excerto da peça “Submarino” Devido a um voyeurismo nem sempre bem disfarçado, costumo demorar-me em frente da montra de uma loja de fotografia. Não para admirar a qualidade dos trabalhos (composições demasiado folclóricas e conservadoras, pirosadas visuais), mas sim para saber como vão as vidas cá da terra. Quem casou, quem teve filhos, quem se licenciou… todas estas informações estão escarrapachadas nas várias molduras que compõem a vitrina do estabelecimento (o mais afamado da cidade). Mesmo com o advento das câmaras e telemóveis digitais, a minha gente continua a fazer questão de “olhar para o passarinho”, seja para registar o casamento para a posteridade, seja para fazer uma sessãozinha com o rebento de 2 meses (mesmo que não se consiga melhor do que imagens de um chorão baboso, mordendo os mais variados brinquedos). A montra é o verdadeiro reflexo do status quo local. Embora se realizem dezenas de sessões fotog...

Brownie de chocolate com gelado de baunilha

Aí vem ele… doce tentação A sala estava meia vazia. O chão, cor de ébano, contrastava com o branco cosmopolita das paredes, da luz tersa dos candeeiros, do vidro que me separava da cidade. O prato, alvo, produzia reflexos multicolores, à medida que avançava pela sala adentro. As linhas rectas combinavam harmoniosamente com os cantos arredondados. Anguloso e curvilíneo. Aparentemente, era demasiado grande para receber o conteúdo, mas depressa me apercebi que o espaço tinha sido concebido na proporção ideal para dispor todos os elementos… Cheguei cedo, como sempre. Entrei assim que abriram as portas e esperei. A noite estava fresca, quase fria, soprava um vento desagradável, o que tornava as ruas íngremes e escuras ainda mais inóspitas. Ali estava-se bem. A música ronronava, sininhos, soluços de sintetizador, baterias computorizadas, versos repetitivos. Uma esfera revestida de espelhos baloiçava, enforcada no tecto esbranquiçado, e produzia inúmeros reflexos no chão. Se o fixasse atentam...

Eu sei que tu sabes que eu sei

São quase nove da noite e tu ainda não chegaste. Sento-me, silenciosamente, no sofá. As pernas, discretamente cruzadas, o cabelo penteado, apanhado na nuca, a roupa limpa e sem um vinco. Seria incapaz de receber o meu homem de avental posto, a cheirar a fritos, toda suada e com o buço por fazer. Nunca! Não foi assim que a minha mãe me educou. Já lhe basta a dor de saber que a sua filha mais velha vive em pecado. É por ela que, inconscientemente, aguento este passar de dias, este ram-ram sem fim, esta espera. Eu sei que vou conseguir. Ouço o sinal sonoro do forno. Comprámo-lo há pouco tempo. É um daqueles exemplares ultra-modernos, design italiano, tecnologia de ponta. Temperatura controlada, desliga-se sozinho. Um pouco como eu. O aroma das beringelas recheadas (um prato requintado, leve, ideal para um jantar a dois) chega, quase imperceptivelmente, até mim. Observo demoradamente as minhas mãos. As unhas estão impecavelmente arranjadas, pintadas com verniz transparente. Um anel, de our...