Don't wanna love you, just wanna fuck you

Regresso a casa tarde. Já se vai tornando um mau hábito. A roupa suja transborda no cesto e espera que eu a coloque na máquina. A casa-de-banho precisa urgentemente de uma limpeza. Estou cansada. Observo o meu reflexo, os dois círculos roxos debaixo dos meus olhos. Quem me dera que eles estivessem aqui, a vincar o meu rosto, devido ao excesso de trabalho ou ao esmero doméstico. Mas não. As minhas olheiras são o mapa das tardes que passo a foder contigo. Esta sombra escura na minha pele conta as histórias do teu corpo sobre o meu, da clandestinidade das fodas que me dás.
Há dias em que só me apetece ficar aí contigo, esquecer que o meu marido me espera, acostumado a que a minha presença surja, o mais tardar às 21 horas.
Há tardes em que me dizes que queres mais, em que vemos o sol esconder-se atrás das colinas da cidade e, na ânsia de não nos perdermos, encontramo-nos mais uma vez.
Por vezes cruzo-me com a tua mulher, no caminho para casa. Olho-a, sou uma desconhecida. Reconheço-a das poses semi-formais, das molduras espalhadas pela sala, no quarto. Ela é bela, fria na sua pose de diva pós-moderna. Ela é tudo o que eu não sou. Tudo nela serve para explicar a tua fome doentia pelo meu corpo, médio, morno e terreno.

O meu marido dormita no sofá da sala. A televisão está sem som. Os óculos escorregam-lhe preguiçosamente da longa cana do nariz, as mãos repousam entre um livro e o peito. Apoiada no umbral da porta, observo-o. Ele está longe de tudo e eu estou tão perto (tão longe) dele. Amor agudo e terno, amor triste e vencido, amor sem solução, sem fim.

A primeira vez que te tive dentro de mim. Tu insististe, tu querias experimentar, tu querias comer-me. Eu desejava o teu corpo atlético, as tuas mãos enormes. No fundo, vivia obcecada, alimentando o meu desejo com o teu desejo.
Estava um calor ridículo, irreal. Parecia que um inferno moribundo habitava debaixo do esfalto. Tu querias comer-me.
Nas escadas de tua casa, encostaste-me contra o mármore gelado da parede. De costas para ti, senti um medo passageiro, receava que a leve pressão que exercias com a tua mão sobre a minha nuca se tornasse mais forte. Em vez disso, escancaraste a tua boca nas minhas costas, no meu pescoço, aspiraste avidamente o cheiro da minha pele. Todo tu eras um enorme coração a palpitar contra mim.
As tuas mãos, por baixo da minha saia, ficaram molhadas. A minha boca molhada na tua boca molhada. As escadas, uma visão turva, portas, a sala.
Mil pontinhos de luz tatuaram a nossa pele nua, duas luas de sol encaixaram-se nos meus olhos. As persianas meio fechadas do olhar alheio e da força do Verão. Tu encaixado em mim. Eu adivinhava as tuas expressões, enquanto descrevias enigmas com os teus dedos, nas minhas costas.
Fiquei com duas marcas negras nas ancas, testemunhas sanguíneas da tua paixão. Nessa noite não fiz amor com o meu marido.
Eu só te quero desejar. Não vamos mudar a vida um do outro. Eu não quero outro marido, tu não queres outra mulher. Amar os que temos deu demasiado trabalho, demasiado esforço para ser deitado pela janela fora. Juntos, só porque gostamos de foder.
Amanhã, em minha casa.

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