Intro

“Citar é estilhaçar o todo”
Mª Augusta Babo

Possuía a plena noção que, mesmo escrevendo sobre outrem fictício, estaria a citar algo da minha vida. Criação por semelhança ou por oposição. Portanto, não faz qualquer sentido fugir à verdade ( se é que ela existe) .
Recrio a partir da minha vida para fugir dela. Recriando, crio uma nova vida. Uma vida real que é melhor, pior, mas indubitavelmente desigual daquela que narro, que espalho.
Na verdade, o eu destas páginas é um outro, um outro alguém que se cruzará comigo, em dada altura. No início (agora mesmo, quem sabe), no clímax ou no desenlace.
Não quero com isto prometer uma “história”, um conto com linhas de água convergentes: a escrita vem a mim em vómitos descontínuos, e não como uma torrente fluida de sangue.
Há sempre uma tentativa de esconder a expressão desagradável do que é realmente por trás de termos rebuscados, de metáforas inúteis. Esta não é a hora para tais artifícios. Mentiras, já as há em abundância deste lado. Do lado de cá.

Um tempo cronológico no qual vos possais situar? O aqui é o agora. Tempo e espaço compilam-se numa amálgama virtual. No computador. Estranha invenção esta que confere uma dimensão surreal às palavras debitadas pelos meus dedos!
Penso que os dedos pensam. Se têm cabeça, é porque pensam. Por vezes parece que ganham vida própria e deslizam pelo teclado, marcando sequências de palavras que não acreditava existirem. Não controlo a mente dos meus dedos. E ainda bem...
O mundo virtual. Já me fez, já me desfez. Já cresci e vivi nele. O primeiro contacto com a proximidade do outro virtual é uma emoção epiléptica. Algo que nunca sentiste, que te abana fortemente, quase te faz espumar pela boca. Só que não espumas pela boca, mas sim pelos dedos. Os teus dedos espumam palavras que nunca pensaste dizer a ninguém, nem a ti mesmo! Conheci-me outra vez nesses sítios de conversação em tempo real (salvo o malfadado lag... longa vida à Internet por cabo!). Entreguei-me a esses mundos com a demência da virgem que se entrega nos braços do seu primeiro amante. Literalmente.
Conheço pessoas que realmente não conheço. Há um estranho culto da imagem no universo paralelo das conversas virtuais. Se ainda são novatos neste campo, não se admirem se, ao encetarem conversa com algum ser virtual, ele vos inquirir acerca da vossa aparência (sexo, cor dos olhos, cabelo, altura, peso, medidas. Geralmente questões colocadas por esta ordem, mas cuja importância é inversa). Hão-de notar a desconcertante inocência que todos os palradores virtuais partilham. A “loura de olhos azuis” é sempre esbelta, a “morena de olhos verdes” é sempre felina... e por aí adiante.
Poder ser o que se quer ser. Ser alguém que não se é. A minha personalidade hibernou durante um longo Inverno e agora acordou, fez ricochete em mim e disparou estilhaços em todas as direcções. Há vidros, cristais, pedaços de esmeraldas, de ferro, de betão, de sangue coagulado por todo o lado. E muitos fios se quebraram.
Há alguém que me puxa pela guita atada ao braço esquerdo. Outra mão brinca com as minhas pernas. Dedos estranhos manuseiam o meu corpo composto por pedaços de carne. Quão agradável é ser uma marioneta humana nas mãos de um deus ilusionista!

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