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A mostrar mensagens de julho, 2008

Até ao Fim

Se te amo? O que é o amor quando temos um crédito-habitação a 35 anos? O que importa a paixão, se o tecto que nos abriga a cabeça pertence ao BES? Podes sair por essas ruas imundas, podes beber até cair, podes drogar-te, podes foder essas solteironas histéricas que, ocasionalmente, te dão a volta à cabeça. Podes fazer o que quiseres, desde que eu não saiba. Desde que apenas desconfie. Desde que, às 6 da tarde ou às 6 da manhã, rodes a chave na porta e te deites ao meu lado. Olha-te ao espelho, olha para mim, olha para nós. É isto que queres? Ou não queres saber? Não queres pensar? Ainda bem, nem eu. Vá, vamos de férias! Vamos a um destino tropical da moda, vamos comer sushi, vamos jantar com os nossos amigos. Com a passagem inexorável dos minutos, das horas, dos dias, beberás mais uma imperial, desapertarás mais um botão das calças. A tua barriga crescerá ainda mais, perderás o pouco cabelo que te resta, o brilho no olhar que ainda dá à volta a algumas cabeças ocas. Elas não te conhece...

100º F

Mostra-me a língua e, indolentemente, recosta-se na espreguiçadeira. Sob o sol intenso do final de Junho, naquele recanto escondido do mundo, tudo acontece num compasso próprio. As regras são diferentes, o sangue corre morno nas veias, os pensamentos são interrompidos apenas pelo zumbido das cigarras, pelo murmúrio das ondas e pela chegada à mesa de mais uma imperial. Sorvo um pouco do líquido amarelado e borbulhante, que me refresca a garganta. Sorrio-lhe, com um ligeiro aceno de cabeça, antes de recolocar os óculos de sol, que me protegem desta luz quase equatorial. Na pele tostada pelo sol um tom ocre, de tardes de preguiça, de maresia. As pernas, musculadas e elásticas, repousam ligeiramente flectidas. Mesmo a descansar, parece pronto para arrancar numa corrida desenfreada. “Não faz nada o meu género!”, penso. No entanto, há qualquer coisa naquele homem seco, de andar gingão e olhar pestanudo que me faz adiar o meu regresso. Devia estar a caminho da cidade, para resolver questões d...

Você

Você, meu querido É minha casca de limão Meu cubo de açúcar Meu grão de café Você, meu amor É meu shot de absinto Trufa branca, anis estrelado, chocolate preto Arroz selvagem, pimenta, dendê És tu, amante, perfume do meu paladar Punhado de sal, gota de jindungo, pote de mel Seiva, sumo, tempero, afago, acerto, condimento, refúgio Meu lar.