Dancing with myself

"Tenho de ter calma, senão não chego a velha..." Às vezes penso que, se repetir este mantra, ele se vai infiltrar no meu inconsciente e irei, finalmente, absorver esta mensagem tão simples, mas tão dificil de acatar: eu não posso mudar o mundo. É... não dá mesmo. Isto a propósito de tanta coisa... do trabalho, que não é suficiente, do tempo, que não chega, do amor, que não é perfeito, do sexo, que é pouco, do dinheiro, das viagens... Apetecia-me não dedicar tanta energia física e mental a tudo o que me rodeia, para não me sentir tão exausta, tão sem chão... Cheguei a uma altura (perceba-se... não cheguei a lado nenhum, estou a passar...) em que tenho MESMO que controlar os meus ímpetos emocionais, sob pena de perder o fôlego para o resto da vida. Gostava de experimentar a calma, aquela calma que julgo sentir quando nada me entusiasma, quando os dias passam cinzentos, quando passeio sozinha e isso não me aflige... Mas não consigo: penso nela com toda a força, empenho-me, invoco-a lá do fundo das minhas entranhas e ela não chega. É sempre este desassossego, sempre esta procura desenfreada de nada, sempre este aperto no estômago, mais, mais...
Desligo o telemóvel. Ligo o telemóvel. Apago números, reinsiro-os.
Odeio os telemóveis... deve haver muita gente por esse mundo fora com depressões, à custa desta porcaria...Quantas pessoas não estarão a olhar para o seu pequeno ecrã digital, vazio de vida, a pensar : "Porque é que ele ainda não me ligou? Porque é que ela não responde às minhas mensagens? Será que ele ficou sem bateria? Porque é que ela está num local sem rede? Porquê? Porquê?"

Outro dia, enquanto aguardava o início de um concerto, entreti-me a espreitar a caixa de mensagens de um jovem que se encontrava sentado na fila inferior. Não tive de fazer muito esforço (não me debrucei escandalosamente sobre as costas do rapaz... quer dizer... talvez um bocadinho). O moço mexia freneticamente nas teclas do aparelho, escrevia mensagens, fazia chamadas... Aproximo-me um pouco, ele selecciona um contacto: "Sara Fonseca". Uma foto da rapariga, em trajes menores e cabelo molhado, aparece no ecrã. Chama, chama, chama, a Sara não atende. O amigo, sentado ao seu lado, diz-lhe para escrever um sms... O outro obedece. A mensagem... "Vou ligar-te uma última vez. Se não atenderes, perdes-me para sempre". Enviar, mensagem recebida. A Sara recebeu a mensagem. Nesta altura do campeonato, já eu estava mais entusiasmada com as aventuras e desventuras do amigo (seria namorado?) da Sara, da Sara e do amigo do amigo da Sara, do que com o concerto. Os dedos teclam nervosamente os pequenos botões, seleccionam o nome "Sara Fonseca", para a derradeira chamada... o amor depende da Sara... tecla verde.... "A ligar..." Uma pausa. Uma pausa demasiado longa. Aqueles segundos parecem horas (já não via assim um filme tão entusiasmante... e eu até vou ao cinema frequentemente)... A perna do rapaz treme, nervosamente. Quase lhe vislumbro o suor na palma das mãos... O amigo observa-o, expectante. Nas suas costas, uma intrusa também observa... Estamos todos nervosos, em suspenso.... Por fim, o mistério desvanece-se. A esperança cai por terra. A Sara não atende.
O concerto começou, entretanto, e a minha atenção desviou-se para o que se estava a passar no palco. No final, dei por mim a pensar no que iria acontecer ao rapaz do telemóvel, de coração destroçado... E a Sara? Porque não atenderia o telemóvel?
Imagino-a, gira e trocista, no café, com as amigas, a olhar para o telemóvel, o número do "Zé" a piscar, ela ri-se... "Olha este cromo, já não tenho paciência"... Ou então, a Sara, num centro comercial cheio de gente, o telemóvel sem som, no fundo da mala... As chamadas perdidas, ela a escolher mini-saias na Bershka, talvez para usar na próxima saída com o "Zé"... Ou a Sara, a chorar, na estação de comboios da Reboleira, porque um bando de mânfios lhe roubou o telemóvel...
Terá a Sara perdido o "Zé"? Para sempre?

Comentários

Luz disse…
Primeiro comentário do teu blog, Maria?
Excelente post, excelente escrita... os ingredientes certos para a piadinha kitsch vagamente agridoce... Ai, vida! :)
Luz disse…
Primeiro comentário do teu blog, Maria?
Excelente post, excelente escrita... os ingredientes certos para a piadinha kitsch vagamente agridoce... Ai, vida! :)

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